O Comitê de Propaganda da RECC no Piauí (CP/RECC-PI), entendendo que o combate contra o avanço do neoliberalismo, da socialdemocracia e da reação só será possível pela articulação internacional da luta independente e classista do povo, busca, a partir de agora, discutir publicamente sobre o Movimento Estudantil com organizações de outros países, para conhecer a realidade em que estão localizadas.
É com honra e felicidade que apresentamos, em língua portuguesa, a entrevista realizada com os/as camaradas do
Comité Estudiantil de Resistencia de Córdoba (CER/Córdoba-Espanha). A entrevista em espanhol pode ser acessada
aqui.
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Manifestação do "Bloco Estudantil", formado pelos "Comités Estudiantiles" e o "Comité Estudiantil de Resistencia" (CER) por educação pública de qualidade e contra o patriarcado |
CP/RECC-PI:
Em primeiro lugar, gostaríamos que se apresentassem aos estudantes e trabalhadores brasileiros.
CER/Córdoba:
O Comitê Estudantil de Resistência é um coletivo de estudantes de base, independente, classista e combativo que opera na cidade de Córdoba. É formado majoritariamente por estudantes secundaristas, e alguns estudantes universitários e técnicos. Atualmente somos diversas pessoas, entre militantes e pré-militantes (estudantes que estão começando a participar do coletivo). Nosso objetivo principal é levar a lutar estudantil para as aulas e para as ruas, tentando organizar e coordenar os distintos elementos mais avançados e conscientes da frente de luta estudantil para que realizem agitação e levem a mobilização e as reivindicações a todos os centros educativos, dando à luta estudantil um caráter unitário, combativo, de classe e solidário com outros movimentos (principalmente com o movimento dos trabalhadores). Nossa ferramenta de organização interna é a assembleia, nela decidimos as tarefas e responsabilidades semanais, as correspondentes a cada campanha de luta que realizamos e algumas responsabilidades mais ou menos permanentes como o porta-voz/coordenador com os Comitês Estudantis, coordenação de nossa revista, tesouraria, responsáveis de coordenação com o espaço social que participamos, etc. Nosso modo de funcionamento se dá por campanhas, as quais se formam primeiramente por temáticas de reivindicação e conscientização estudantil (preparação de greves, informações sobre as novas leis, intervenção em conflitos que acontecem nos locais de estudo, etc) ou em campanhas de outras temáticas como antirrepressiva e solidária (informar nos institutos casos de repressão e de presos políticos) sobre a luta das mulheres ou atividades culturais e de distração para atrair a juventude.
CP/RECC-PI: Como o CER foi fundado?
CER/Córdoba: O CER foi fundado por diversos jovens de Córdoba que sentiam a necessidade de criar um destacamento estudantil que impulsionasse a luta estudantil de uma perspectiva que nenhum coletivo estudantil em córdoba abordava, isto é, independente de grandes partidos políticos ou organizações vendidas e policlassistas, de uma postura de classe (aglutinando a juventude caracterizada por pertencer à classe trabalhadora e, portanto, lutando por seus interesses) e combativa (forjando um movimento estudantil disposto a levar na prática uma luta e oposição decidida e contundente para defender os interesses e reivindicações dos estudantes da classe trabalhadora). Desde sua fundação em setembro de 2014, o CER tem acumulado experiência na organização a partir da prática de distintas estratégias, colhendo o fruto de erros e acertos, aperfeiçoando assim nossa intervenção na luta e reforçando-nos na disciplina e conhecimento necessário para ser uma referência organizativa e de luta entre os estudantes da cidade.
CP/RECC-PI: Pelo que lutam os estudantes do CER?
CER/Córdoba: No CER lutamos pela melhoria das condições da educação a nível estadual e local, opondo-nos a qualquer reforma, recorte ou reajuste legislativo em desacordo com a comunidade educativa, assim como incidindo nas problemáticas concretas de cada centro de estudos. Além disso, reivindicamos uma educação pública, laica, de qualidade e científica que dê oportunidades a todos/as e atenda à Universidade, especialmente aos interesses dos filhos das classes populares, para isso tentamos coordenar e aglutinar em uma luta unitária toda a comunidade educativa e lutar ombro a ombro com outros setores e movimentos da luta dos trabalhadores. Temos a firme convicção de que a educação que buscamos e desejamos não pode existir no marco do sistema capitalista e, portanto, nossa postura é de ruptura com o mesmo.
CP/RECC-PI: O CER mantém algum tipo de regra ou princípios básicos para manter a unidade entre seus membros? Se sim, quais são?
CER/Córdoba: Atualmente estamos trabalhando na criação de normas/estatutos mais formais e específicos da organização. Ainda assim, podemos definir como normas ou princípios que mantêm a unidade do coletivo seu caráter democrático, a disciplina organizativa e discursiva (as formas de atuar no movimento e o discurso que devemos ter precisamente concordado em assembleia), o caráter progressista de todos os membros do coletivo (ainda que não sejamos um coletivo político, não permitimos a entrada de pessoas que tenham um discurso ou ideologia liberal ou reacionária de qualquer tipo) e o compromisso para a participação ativa de cada membro dentro do coletivo, cumprindo com suas tarefas e responsabilidades.
CP/RECC-PI: Quais são as dificuldades enfrentadas pelo CER em busca da construção de um movimento estudantil autônomo na Espanha?
CER/Córdoba: Em primeiro lugar a dificuldade para acessar oficialmente aos locais de estudo sendo um coletivo independente, e com isso o não-reconhecimento por parte dos órgãos de direção dos locais de estudo e a administração pública como representantes legítimos do movimento estudantil. Por outro lado, a existência de sindicatos estudantis ligados a partidos políticos liberais e socialdemocratas que ao dispor de maiores meios econômicos e reconhecimento político e administrativo possuem mais facilidades para chegar aos estudantes, com isso levando suas posturas reformistas e suas formas de organização e ação burocráticas e pacifistas. Além disso, há de somar a tudo isso as dificuldades para coordenar-se e associar-se com outros coletivos de outras cidades, devido em parte o medo de muitos coletivos estudantis em perder sua autonomia, se decidirem se organizar a nível estadual. Por último, a repressão e coação por parte do Estado e de alguns grupos políticos reacionários também dificultam a construção de um movimento unitário e forte.
CP/RECC-PI:
Quais são as organizações (estudantis, sindicais e populares) que o CER rechaça? Por quê rechaçam?
CER/Córdoba:
Primeiramente, no CER consideramos necessário rechaçar a qualquer grupo que pretenda reduzir os estudantes à política reformista e oportunista, principalmente grandes sindicatos ou partidos, aqui na Espanha no âmbito estudantil materializado no Sindicato de Estudantes (SE). Por outro lado, obviamente, consideramos inimigos os grupos de extrema direita ou liberais. Por último, é importante assinalar àqueles grupos que sob a etiqueta da esquerda levam a cabo políticas e ideologias liberais e que só buscam fracionar e intoxicar, mergulhando os estudantes no relativismo pós-moderno; estes adotam muitas formas, desde coletivos autoproclamados anarquistas ou libertários, até coletivos locais que negam a luta de classes e pretendem dividir a luta em muitas frentes separadas baseando-a no individualismo que reivindica as transformações pessoais. Ainda assim não desconsideramos que em períodos de relativa tranquilidade das contradições desenvolvidas com estes grupos, possamos estabelecer alianças pontuais ou realizar ações concretas com algum destes grupos, sempre que não abandonem os princípios e os interesses do coletivo e dos estudantes-trabalhadores.
CP/RECC-PI: Quais são as organizações (estudantis, sindicais e populares) que o CER mantém unidade tática? Por que mantém?
CER/Córdoba: No CER tentamos ter relações sindicais com qualquer grupo que seja progressista e honesto. Em nossa cidade normalmente mantemos boas relações com alguns sindicatos com alguns sindicatos de base de professores e com órgãos e associações de pais e alunos dentro dos centros educativos. A nível nacional, ainda que dispondo apenas de coordenação com outros grupos do Estado (o que é um objetivo nosso), avaliamos como necessário organizar-se com qualquer grupo estudantil, de professores ou de trabalhadores que atue desde as bases e que apostem na unidade e na postura de classe sem tentar instrumentalizar o movimento para tirar benefícios políticos ou tratar de converter o movimento de massas em um movimento político ,o qual consideramos uma carência de perspectiva e estratégia. Um exemplo de organização a nível nacional que aposta por estes princípios e que atualmente está ganhando posições do Sindicado de Estudantes (organização estudantil estatal oportunista e burocrata) seria o sindicato "Frente de Estudantes", o qual tem presença em todo o Estado.
CP/RECC-PI: Na declaração "Los Comités Estudiantiles, un modelo de organización para el Movimiento Estudiantil[1]" o CER indica a formação de comitês de estudantes, com o fim de permitir a organização estudantil pela base, fora das burocracias estudantis e sindicais. A RECC desde sua fundação, mostrou que uma das formas de destruir o que chamamos de “burocracia estudantil” é com a formação de coletivos de curso, tais como o “Tempo de Luta” (Tiempo de Lucha) dos estudantes do curso de História, assim como Oposições por locais de estudo, como a Oposição Classista e Combativa ao DCE da UFC (Oposición Clasista y Combativa al Directorio Central de los Estudiantes de la Universidad Federal de Ceará). Gostaríamos de saber como se articulam os comitês de estudantes do CER, o que fazem, e como está hoje a construção destes comitês.
CER/Córdoba: Os Comitês Estudantis é um compromisso com a organização do movimento estudantil em cada local de estudo, e pelo crescimento quantitativo do movimento. Esta estratégia se baseia em formar grupos de trabalho sindical em cada instituto, que façam trabalho de agitação e conscientização, assim como uma assembleia de coordenação para gerar campanhas e ações a realizar entre todos os Comitês e ajudar outros estudantes a formarem novos Comitês. Dentro desta estratégia, o CER tem tido um papel dinamizador e facilitador, ajudando os Comitês e levando iniciativas, isto é, os Comitês são independentes, mas nós, com nosso exemplo, conseguimos ser referência para grande parte deles. Na construção dos Comitês, surgem problemas na hora de se estabelecer em outros locais de estudo, já que os órgãos de direção não reconhecem nenhum grupo de organização que seja independente à burocracia administrativa pública. Por outro lado, existem coletivos políticos que ao invés de ver os Comitês como um passo adiante na organização e unidade estudantil, veem neles um impedimento para expandir suas ideias e ideologias ao não serem suficientemente sólidas para levá-las de maneira aberta às assembleias em que participam todos os Comitês e o CER, e, portanto, tentam destruir a unidade dos Comitês de Estantes para poder absorver algum deles ou captar seus membros.
CP/RECC-PI: O avanço do neoliberalismo produz, além da insegurança no trabalho, na saúde, educação e na vida, uma onda de repressão. No Brasil, o governo de Dilma Rousseff, do Partido dos Trabalhadores, assinou a “Lei Antiterrorista”, que se adapta facilmente aos movimentos sociais independentes e combativos. Este avanço da repressão internacional também foi sentido na Espanha? Se sim, quais foram as consequências para o CER?
CER/Córdoba: Atualmente na Espanha está ocorrendo uma perseguição muito grave e generalizada da juventude lutadora, em geral quebrando a liberdade de expressão e o direito de manifestação de maneira generalizada por todo o Estado, chegando a extremos como os casos mais recentes, onde realizaram várias operações policiais a nível estadual contra a juventude, por expressar opiniões no Twitter, assim como contra cantores e rappers devido ao conteúdo de suas canções, chegando a sentenças de condenação à vários anos de cárcere. Em Córdoba, nós, do Comitê Estudantil de Resistência temos passado e seguimos em um período onde os órgãos de repressão nos têm na mira: Em primeiro lugar, temos um companheiro à espera de julgamento por uma armação da polícia após ações policiais que recebemos, nas quais vários companheiros do coletivo saíram feridos. Além disso faz pouco mais de um mês que recebemos nove multas por auxiliar uma manifestação para apoiar um coletivo feminista, as quais somam um total de 1.800€ de sanção, assim como outras multas e julgamentos que recebemos em anos anteriores. Cremos que há uma perseguição sistemática da juventude e concretamente em Córdoba contra nosso coletivo com o objetivo de neutralizar-nos politicamente e assustar-nos junto com o resto do movimento estudantil que pouco a pouco vai se posicionando junto a nós.
CP/RECC-PI: Como os/as companheiros/as apontariam a relação dos partidos políticos na Espanha com os sindicatos e o Movimento estudantil?
CER/Córdoba: Como comentamos anteriormente, no panorama estudantil, o sindicato com maior reconhecimento pela administração do Estado e por outros meios de comunicação é o Sindicato de Estudantes (SE) o qual está relativamente ligado através das Juventudes Socialistas do PSOE (Partido liberal majoritário na Espanha). Por outro lado, existem coletivos e plataformas ligadas, criados ou na esfera de influência do Esquerda Unida, PCE e Podemos, partidos que se autodenominam como nova esquerda mas que não deixam de estar posicionados politicamente dentro da socialdemocracia; a incidência destes partidos no movimento estudantil tem gerado plataformas e coletivos estudantis que, com uma mensagem rebaixada para tentar atrair os estudantes, utilizam o movimento estudantil como espaço para ganhar votos, neutralizando a luta ao subordiná-la à estratégia eleitoral, e perpetuando a consciência reformista e conciliadora dentro do movimento, sem questionar o sistema e negando a luta de classes.
CP/RECC-PI: Qual é a relação do CER com as organizações estudantis e sindicais da Espanha sob a tutela destes partidos?
CER/Córdoba: Na maior parte das ocasiões, nossas posturas a nível de princípios e de organização e estratégia parecem ser irreconciliáveis com as destes grupos, ainda que em algumas ocasiões participamos de mesas de debates, e atos ou jornadas, nossa proposta organizativa e nossas aspirações são apostas às desses grupos, o que fez com que a maioria das tentativas de coordenação com eles tenham falhado, inclusive nos confrontamos com eles. Estas experiências, longe de desmotivar-nos, nos mostra que os estudantes acabam escolhendo posições justas e terminam se posicionando pela luta combativa e pela base.
CP/RECC-PI: O que os/as companheiros/as esperam do futura da luta dos estudantes na Espanha?
CER/Córdoba: Nosso objetivo e anseio a médio prazo para o movimento estudantil no Estado espanhol é conseguir uni-lo em um só movimento ou organização, onde caibam todos os estudantes e sejam as posições classistas e combativas as que ganhem a maior parte da hegemonia dentro do mesmo. Cremos que a experiência aqui e em distintas cidades está demonstrando não só que é necessário o caminho correto, mas que é possível e que pouco a pouco avançamos para consegui-lo, somos conscientes que no resto do país há muitos mais grupos com nossos princípios e objetivos e cremos que é importante superar a fase de trabalho exclusivamente local, ilhado e independente e autônomo de tudo e de todos e que temos de vencer o medo da unidade, sem deixar de reivindicar as formas organizativas que são justas, confiando no resto dos companheiros de outras cidades, mas sem baixar a vigilância, conquistando posturas comuns e unitárias, obtendo uma única disciplina e discurso a nível estadual convertendo o movimento estudantil em um só punho que golpeie o sistema em uma direção, na mesma direção que nossos companheiros de classe, os trabalhadores.
CP/RECC-PI: Por último, se desejarem, deixem uma mensagem aos estudantes brasileiros.
CER/Córdoba: Sem dúvida, nossa mensagem aos estudantes brasileiros não pode ser outra que a de animar a continuar com a luta estudantil. Ainda que os tempos atuais sejam duros, não devemos dar nem um passo atrás, devemos resistir e lutar por aquilo que cremos. Companheiros/as, os/as estudantes do Comitê Estudantil de Resistência estão com vocês!
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